quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A LUTA DE CLASSES

A LUTA DE CLASSES

Como poderia um estudante de história perto dos quarenta anos de idade, no ano de 2012, vivendo num país latino em aparente desenvolvimento, insistir em abordar tema tão controverso, passível de interpretação preconceituosa, a começar do título, escolhido confesso, com certa relutância. Mesmo assim, tendo sido submetido a uma das formas teóricas recorrentes da modernidade para tentar explicar o comportamento dos homens e sua relação com os objetos, procurarei justificar o uso da teoria de Karl Marx, somente depois, de fazer algumas considerações sobre diversas situações, que considero lutas menores, que antecedem a angustiante luta de classes.
Pensemos inicialmente que este texto tem o desejo de comunicar-se com o leitor, possibilitando novos olhares sobre as temáticas aqui apreciadas. Pois bem, procurando não nos perder do intuito primeiro, queremos apenas ressaltar, que a liberdade de só por algumas linhas nos desconcentrarmos do assunto proposto, faz parte já, da dinâmica que sugere a contestação de idéias fatalistas, dizendo em outras palavras, conceitos absolutos que não aceitam serem relativizados.
A que grupo, time, família, sexo, raça, religião, nação, pertencemos cada um de nós? Por quais razões somos convencidos a fazer parte de alguns conjuntos de comportamento, de algumas listas de procedimentos, e de muitas regras de conduta, impulsionados por justificativas que quase sempre, anulam nossa capacidade humana de reflexão crítica?
A resposta à primeira pergunta cada um de nós já pode tentar responder. Agora, parte da segunda reposta vem da estrutura cultural transmitida pelo grupo étnico do qual participamos, essencialmente no que se refere ao conjunto de leis.
Normalmente, em quase todas as culturas, as leis estão aí para serem cumpridas, e não se fala mais nisso. Não existe a menor contestação de quem as criou, ou porque as criou. Conjuntos de leis de todas as esferas e representações da sociedade dominam o inconsciente do indivíduo à coletividade. Voltamos àquilo que chamaremos de considerações fatalistas, e tomemos como exemplo a seguinte frase, “o desemprego é um problema da modernidade, e, não há o que se possa fazer”. Aceitamos o desemprego e não procuramos descobrir quais são as causas que o provocaram, consolidando o dar de ombros que geralmente caracteriza os grupos que pouco reclamam e quase nunca protestam.
A outra possível parte da resposta encontra-se, justamente na agradável acomodação que o enquadramento jurídico (real ou simbólico) proporciona a determinados elementos de uma sociedade, provocando-lhes vaidades diversas, que serão a base constitutiva das lutas menores, que embriagam e distraem os homens, impedindo-os de serem sujeitos de suas histórias. Dos enquadramentos jurídicos nacionais, que quase sempre se sobrepõem aos acordos jurídicos internacionais, surgem outros menores, sem tanta relevância nas esferas dos estados nacionais, contudo, estes estatutos de aparente menor expressão social, enquadram grandes grupos sociais, criando novas cidadanias dentro da cidadania almejada para todos, gerando em muitos uma grande satisfação por pertencerem a tais grupos, e esta inclusão particularizada de indivíduos não-críticos, não protagonistas de suas histórias, gera normalmente insensibilidade e falsa generosidade.
Procurando pormenorizar qual seria o comportamento da abordagem e crítica do Direito, como ferramenta vital para a compreensão da legalidade das ações dentro da luta de classes, desejoso de caminhar longe da leviandade, contrapomos, o Direito Puro, muito mais realizável nos períodos de paz, ao nosso tema conflitante.
Parece-nos que o dever do Direito Puro, como especialidade científica, no tocante a descrição daquilo que está em desacordo com a norma jurídica vigente, pura e simplesmente, não possa, não deva, e principalmente, não queira invadir o campo subjetivo daquilo que possa, deva, ou queira ser justo ou não. Em outras palavras, o Direito debaixo desta norma, presta-se, a dizer o que é certo e o que é errado, o justo entraria em outra esfera, ainda mais se nos referirmos a questões voltadas à posse da terra, que acidentalmente nos remeteria a temática principal desta conversa, objetivo que pretendemos alcançar mais para os finalmentes.
Convergindo para as lutas menores, os enquadramentos jurídicos constitucionais, e os estatutos menores em geral, adentraremos nas realidades de vários grupos que gostaríamos de pensar na companhia e participação do leitor amigo, que com certeza se já chegou até esta parte da leitura, é porque é verdadeiramente mais piedoso do que amigo.  
Pois então, que grupos são esses?
Comecemos pelos mais injustiçados, em nossa opinião ao longo da história da América Latina, os nativos, e posteriormente os negros. Trazemos para dentro dessa discussão a posição do ser favorável ou não, à existência das cotas raciais nas universidades pública e privada, e já, logo de cara, nos deparamos com brancos que são contrários ao sistema de cotas, e negros que são favoráveis. Normalmente, a parcela de brancos mais revoltosos, mesmo sem a interferência das cotas para negros e nativos, não conseguiria alcançar as melhores faculdades, da mesma forma que alguns raros negros, defendendo sua capacidade de galgar os mesmos postos sociais que os brancos por que possuem as mesmas potencialidades intelectuais, e possuem mesmo, possivelmente e normalmente abandonam a luta a favor das cotas, por já estar inseridos em outros grupos que lhes dão a sensação de maior aceitação social, ou por que têm garantidas práticas de consumo próprias da classe média para cima, ou porque cansados do racismo silencioso que os incomoda desde a infância, preferem fingir que ele não existe mais. Escolhemos naturalmente falar mais dos negros do que dos nativos, em razão da quantidade de negros no caso brasileiro constituírem metade da população, o que não nos deixa menos felizes em dizer que as populações indígenas nas Américas pararam de diminuir, pelo contrário, voltaram a crescer, frustrando com certeza a expectativa de alguns. Fazendo a ligação do enquadramento jurídico com as cotas nas universidades, temos brancos sendo excluídos de grupos que pensavam fazer parte mais não faziam, e temos negros negando a inclusão por vaidades irreais, ou seja, o racismo ainda continuará mesmo que seja sabido de todos que o negro não é inferior ao branco em nenhum aspecto, contudo, o enquadramento jurídico das cotas é real e legítimo, e tratará com a mesma frieza do Direito Puro a vaidade do complexo de inferioridade do negro, sentimento este, que precisa ser abandonado com a aceitação das cotas até a igualdade total das oportunidades.  A condição de inferioridade produzida por injustiças históricas será corrigida por força das novas leis, que melhorarão mediante o aumento da consciência de classe dos cidadãos.
Dando sequência a este diálogo pensado, referimo-nos, aos religiosos em geral, como grupos predominantemente ligados a estatutos menores, que são responsáveis pelo enquadramento de grandes parcelas da sociedade que se sujeitam a verdades relativas, que quase sempre tem a finalidade de opor grupos comportamentais, regionais, culturais e absurdamente raciais, deixando à margem, a missão histórica das religiões que é a prática não discursiva da caridade.
Não deixemos de fora os economistas, que de forma muito parecida com a dos religiosos, ainda mantém como postulados incontestes, afirmativas como esta de Adam Smith do século XVIII, “é a grande multiplicação das produções de todos os diversos ofícios - multiplicação essa decorrente da divisão do trabalho - que gera, em uma sociedade bem dirigida, aquela riqueza universal que se estende até as camadas mais baixas do povo”. Quanta ingenuidade!  Mas em 1750 e poucos, ainda vá lá! Das camadas mais baixas do povo destacamos como grupo principal na luta encarniçada pelo estabelecimento do respeito igualitário, as mulheres, que por muito tempo em suas mentes se permitiram pensar que teria sido melhor se tivessem nascido homens, tamanha a desproporção dos direitos masculinos sobre os femininos. Pois bem, dentro do entendimento que essas situações de conflito até aqui mencionadas são as maiores depois da propriamente dita luta de classes, e que cada uma delas, em níveis diferentes, é estimulada por vaidades individuais e coletivas, partamos na direção das nossas contestáveis conclusões, onde poderíamos citar a arrogância vaidosa de outros grupos de menor relevância, tais como os enólogos, os músicos, os lutadores, os heterossexuais convictos, os homossexuais por conveniência, letrados em geral, magros, a lista é imensa...
Nem todos os relacionados são necessariamente arrogantes e/ou vaidosos, contudo, acreditamos que o orgulho criado dentro de ideologias de grupo, inadvertidamente, pode produzir desuniões desnecessárias, criando hostilidades imbecís, desconcentrando a união que traria a força para transformar o que realmente está errado, a distribuição da riqueza que é produzida pela grande massa trabalhadora, que fica assistindo debilmente a discussão da tonalidade da cor da roupa do mascote da copa do mundo, enquanto tem gente com dor, e tem gente com fome, tem gente com lágrimas. Puxa vida, que conversa chata.
Por esta razão Marx é odiado, porque ele toca na ferida dos homens egoístas que arrotam religiosidade.
A desesperança criada num mundo desigual e insensível consegue achar absurdo, uma mãe dando uma criança recém-nascida ou abandonando-a, mais é incapaz de observar o flagelo humano desta mãe abandonada pelas políticas públicas inexistentes, havendo leis existentes. Como falar em desumanidade dentro do conforto de nossas salas refrigeradas e confortáveis. Absolutamente não há problema algum em gozar de toda a tecnologia possível, mais por quanto? E até quando? Existe uma luta silenciosa pelo uso-fruto do consumo constante, e o papel dos soldados calados, mudos não, quase sempre é alienado.
Daí, a contribuição da teoria de Marx, que se utilizou dos estudos de Adam Smith, Rousseau e Feuerbach. Muito além das definições da mais-valia, exército de reserva e fetichismo das mercadorias, a grande sacada de Marx, foi deixar o entendimento de como funcionaria a economia do mundo moderno, utilizando como ferramenta a História, a Economia e a ruptura do Direito que protege a propriedade privada e improdutiva. Se apossando de tal conhecimento qualquer cidadão poderá encontrar sua própria consciência de classe, e fazer uso dela em todos os seus recursos.
Semelhantemente é o estudante que conhece o pacote Office da Microsoft, que vai acompanhá-lo em toda sua vida escolar e profissional, de maneira que sua vida ficará viável e confortável, em razão dos benefícios infindáveis deste facilitador da modernidade.
Quem não usa essa tecnologia nos dias atuais?
Cidadãos honestos e criminosos se rendem a Bill Gates com programas originais ou pirateados.
No grande clássico da historiografia moderna “A Era dos Extremos”, Eric Hobsbawm pontua sobre existência e atividade de muçulmanos marxistas e cristãos marxistas.
Concluímos se quisermos que;
Todos que desejarem, podem ser marxistas, todos, todos.


   Alexandre Cabral de Rezende

  

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