quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Leitura - Para o dia do meu sepultamento

Eis que vou para o Pai, mas não volto, vos espero.
É certo que pensar sobre a morte, o dia do próprio sepultamento, isso é coisa de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Jean Paul Sartre, mais é coisa também, sobretudo, de Jesus de Nazaré.
E é sobre este que quero concentrar-me postumamente nesta carta aos amigos e familiares.
Neste dia que espero esteja bem triste, quero felicitar-me prazerosamente por imaginar que tenho pelo menos dois ou três que choram por causa da separação e a saudade que deixarei.
Levando minha filha Fernanda a um aniversário de uma colega do grupo de adolescentes da igreja, no meio do trajeto, à quase 90km horários, comecei a sentir literalmente um nó nas tripas.
Nas proximidades da Estância Alto da Serra indo para São Bernardo, senti como em nenhuma vez na vida até aquele dia, que uma explosão de merda líquida e quente sairia de mim sem negociação.
Estávamos no carro Petúlia ao lado, Fernanda atrás na diagonal, Dani no meio, e Lú atrás do futuro quase certamente cagado.
Numa manobra arrojada saí da pista e entrei numa estradinha de terra do lado esquerdo logo depois da lombada, e me deparei com uma rua deserta com muito verde dos dois lados.
Noutro movimento de astúcia ímpar, abri a porta do carro, a minha e a da Luísa, para adaptar um pequeno banheiro com quase três paredes, imaginando ter criado as condições mínimas para uma "defecagem" mais ou menos privada.
Abaixei as calças e catapum plé plé plé plé plé plé plé ( ao orador favor pronunciar plé-plé-plé rapidamente). Neste instante Perturba era só risada, Fernanda e Daniela quase se ejetaram pela janela do lado oposto do carro, e, somente uma, apenas uma singela criatura curiosa foi capaz de suportar a cena; ver o próprio pai com o saco balangando, numa abertura de pernas de + ou - 135° graus, açoitar com violência o mato crescente na estradinha de terra próximo ao Riacho Grande com muita, muita merda, fora o cheiro lacrimejante.
Esta operação repetiu-se 15 minutos depois, quando estava pra voltar a rodovia, veio a segunda parcela.
Meus queridos cagões, naquele dia escolhi a escolhida, aquela que ficaria com todas as honras;
Luísa me colocaria as fraldas no futuro, mas Fê e Dani as comprariam.
O primeiro desejo comunista que tive foi aos treze anos, ainda ingenuamente, quando desejei que todos, todos, homens, mulheres, crianças, velhos, de toda cor e sabor, pudessem ficar maravilhados com a influência dos gestos de generosidade do homemDeus.
Depois, por toda minha vida quis fazê-lo pela força, por causa do amor que talvez tenha chegado ao coração de muitos, mas não se refletiu na atitude das mãos. Antes que alguém queira ir ao banheiro, farei minhas considerações que não devem se findar ainda.
Yo tengo tantos hermanos, muitos abraços metafísicos( que transcendem a lógica) e a luta continua. O que de graça recebemos de graça devemos dar.
A escolha dessa companheira de plantão para realizar a entrega da leitura dessa carta, se deu em função do histórico familiar dela - pessoas que durariam o bastante para poder entregar estas palavras que tem o desejo sincero de fazê-los rir e quem sabe chorar de alegria.
Aos companheiros Paulinho do Cachoeirinha, Rute do Melo, Miriam, Regina, Fernanda,Adriana, Alexandra, Flávio, Flavião, Ederli e Ed Carlos, um abraço fraterno, pois juntos ganhamos honestamente parcos salários, mesmo que heroicamente transformando em capital, aquilo que todo mundo despreza na rodovia ou no laboratório.
Ronaldo, Rafa, Patrícia minha irmã, Marilda e Gerson, espero ter encontrado nessa multidão que não posso contar, o Guiba (Pai) e o Orlando.
Kênia o nazareno é de todos - tira a pressa pelo deleite, e apressa o socorro ao sôfrego. Té mais.
Pê força e vigor
Tocar Children of the Sea
02 de Abril de 2014
Memórias Póstumas de um técnico de laboratório COMUNISTA.
Sônia, Lourdes, Neide,Ivaneide,Patrícia, Rose, Luciana, Benê,Paulo, Sueli,Maria, Serléia, Solange,Débora, Edison,Gabi, Flávia, Silvana, Tiago, Elisângela, Juliana, Milva, Sandra,Marluce, Tábata, Rosa, Edgar,Claudinha, Débora, Andrea, Maria, Elisas, Marco, Onofra, Nilva,Gedai,Maurício, Nelson.
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário